quarta-feira, 5 de junho de 2019

Europeit, Europetit e Euroshort


Sobre as eleições europeias, muito já foi dito. Mas será que já se disse tudo?

Hoje, passados alguns dias, podemos olhar com outros olhos para os resultados, tendências eleitorais e discursos. Analisar vencedores e vencidos. O grande vencedor, e o grande derrotado. A surpresa, positiva e negativa. A abstenção… quer dizer, esqueçam esta parte da abstenção. Afinal de contas já todos sabem tudo sobre a abstenção, já todos sabem quem não vota e em que eleições o faz, todos têm algo a dizer. Todos vêm com enorme preocupação. Só me resta dizer duas coisas e faço-o já para não vos maçar muito com este assunto: 1) quem se abstém, não está a respeitar todos aqueles que outrora lutaram para que hoje o voto fosse universal e 2) estão a perder legitimidade para criticar o que quer que seja.

A aparentemente o grande vencedor foi o Partido Socialista. Não creio. Foi maior vencedor o António Costa do que o Partido Socialista. António Costa fez questão de sufragar a governação. Fê-lo através das intervenções na campanha (sim, houve campanha), através de elementos da sua confiança política nos media, e mais relevante, abdicou de dois ministros para o candidatar a eurodeputados. De um, o primeiro candidato, Pedro Marques, fica a ideia de uma pessoa muito competente e rigorosa no trabalho que desenvolveu, de outra, a Maria Manuel Leitão Marques, fica a ideia de que haverão poucas pessoas, principalmente poucos políticos que tenham tanta apetência para a nova era digital e para a modernização administrativa (gritante urgência) como ela.

Foi arriscado. Muito ariscado para António Costa. Todos sabemos que quando um partido está em funções governativas, geralmente é penalizado nas eleições europeias porque o risco é muito menor do que nas legislativas e por isso as pessoas tendem a votar mais em partidos alternativos e a dispersar o seu voto (e desta vez, eram 19 opções que as pessoas que se enfrentaram com um papel e uma caneta tinha). Ao fazer desta forma, António Costa estava a fazer uma espécie de pré-época para as legislativas, ou um estágio, como queiram. E saiu-se bem. Demonstra bem a sua habilidade política e reforça a confiança de que sairá vencedor em outubro.

No entanto, o Partido Socialista não tem um resultado estrondoso. Percentualmente, anda muito próximo de há 5 anos, e isso custou a liderança a António José Seguro. Mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa (quem nunca). Há 5 anos, o PS era oposição, não tinha o natural desgaste governativo, quem governava, fazia-o de forma austera. A política tem muito de estratégia, e nesse ponto, a direita falhou redondamente. Foram os vencidos.

Rui Rio voltou ao discurso do início da sua liderança, aquele discurso que estávamos todos à espera que não tivesse perdido, mas aquela desavença interna fez com que ele mudasse… viu-se o resultado. Na noite eleitoral, em que os discursos parecem recitais, Rui Rio enfrentou tudo e todos, nomeadamente a realidade, que é muitas vezes o maior desafio. Fê-lo. Mas aquele não podia ser o seu candidato. Como é que é possível, desde que eu ando atento à política, e me envolvo, nas europeias, PSD e CDS apresentam, sistematicamente, o mesmo candidato? Rangel e Nuno Melo são a cara da continuação, e não da mudança. Falharam, e falharam por muito. São os grandes derrotados. Mas se tiver de eleger um, será Nuno Melo.

Nuno Melo perde as eleições, faz o discurso que tem de fazer, para salvar a pele da líder, mas belisca aquilo que estava a ser a trajetória do CDS. Desde que Paulo Portas saiu da liderança, o CDS parecia ter-se afirmado na direita portuguesa, mas foi ilusão ou foi um acidente de percurso. Depois de se ter saído muito bem nas autárquicas, principalmente em Lisboa, e de ter colocado muitas vezes o PSD a seu reboque nesta legislatura, o CDS deu um passo em falso nestas europeias. Veremos o preço em outubro, mas eleger metade dos eurodeputados do que BE e do que PCP, que são aparentemente eurocéticos e o mesmo número de eurodeputados do que um partido que surpreendeu, o PAN, não me parece grande fotografia. Nuno Melo devia dar lugar ao segundo da lista. Mas enfim, Cristas tem as suas heranças de Portas.

A surpresa, como já disse, foi o PAN. NA verdade, eu não alinho nesta onda de euforia com o PAN. Preferia que a surpresa tivesse sido o LIVRE, e se fosse, eu não ficaria surpreendido (quer dizer, dependia do resultado efetivo, mas acho que perceberam a ideia). O PAN é mais um movimento do que um partido. Tem coisas obscenas no seu programa. São radicais. Eu não costumo compactuar com esta linha, desculpem.

Escrevi há pouco 19 opções para quem foi votar, lembram-se? Sim, 19=17+1+1. 17 listas, nulo e em branco. São tudo coisas distintas, e não me digam que das 17 não se identificam com nenhuma. Não posso com esse discurso corrosivo e antissistema. Esse é o discurso do BASTA ou do CHEGA e na verdade o que chega é essa mente pequenina e preguiçosa. Do BASTA ao PAN, passando pelo LIVRE e Iniciativa Liberal, não esquecendo os habituais PS, PSD, CDS (os dois até foram em separado porque não são a mesma coisa), a CDU (PCP+Verdes), o BE ou até o Santana Lopes (sim, ainda aqui anda com o Aliança e a sua dimensão reduzida com tanto mediatismo são a surpresa negativa)… para todos os gostos e feitios. Não havia desculpa. Mesmo assim, podiam chegar ao boletim de voto e escrever o que vos apetecesse, criar um novo quadradinho e um nome, até o próprio nome ao lado e votar, só para terem a sensação de o fazer, anulavam o próprio voto mas demonstravam que estavam ali para a luta, ou então deixar em branco, como quem: eh pá, não gosto de nenhum, li todos, vi os debates, mas não, não gosto de nenhum e mesmo assim vim aqui mostrar isso mesmo.

Ainda assim a abstenção (desculpem, eu sei o que prometi, mas…) foi de 70%. E a culpa, dizem, é dos políticos ou do sistema, ou da corrupção ou do sol, ou da chuva, ah não, foi aquele jogo de futebol, ou foi a missa, na volta, foi tudo isto junto (sim, já vivi dias em que choveu e esteve sol, por vezes ao mesmo tempo, arco-íris, you know?). A culpa, quando falamos de 7 em 10, não é de fator A ou B, de fulano ou sicrano, é de todos. Todos. Mesmo dos que votam. E não é só por causa daquela lógica pedagógica de quem tem irmãos e ouviu em casa: por causa da asneira de um, pagam os outros, ou na escola primária, para os mais rebeldes (fomos todos não fomos?). A lógica da culpa ser também de quem vota, é que quem vota é que dá a oportunidade de aqueles governarem. Existe uma responsabilidade associada ao voto de cada um. Eu sei, muitos não estavam preparados para isto, mas é isto que acontece.

Nota: O nome do artigo iria ser (Ainda) Sobre as eleições europeias, mas este título surgiu numa troca de mensagens com um amigo a propósito de uma publicação nas redes sociais da escrita do mesmo. O primeiro, uma gafe, o segundo e o terceiro, sugestões dele. Ele demonstra bem o sentimento da muitos, a ideia de que a participação, debate e tudo o que envolve a europa é pequeno… poucochinho, talvez.